Análise: Superoferta, problema dos caminhoneiros autônomos, se agrava

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Desde a semana passada, o governo vem anunciando medidas para conter, junto aos caminhoneiros, os danos do inevitável aumento do preço do diesel, que o presidente Jair Bolsonaro tentou segurar dias antes – posição que o espectro ainda liberal que seu governo carrega impediu que se mantivesse.

 Na semana passada, garantiu a liberação de R$ 2 bilhões para obras em estradas – que na prática é uma devolução do que estava previsto e foi bloqueado –, R$ 500 milhões de uma linha de crédito no BNDES para manutenção de até R$ 30 mil dos caminhões e a imposição da criação de pontos de parada em rodovias concessionadas foram as medidas novas.

Com elas, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, reforçou outros desejos que o governo tem, mas em quatro meses ainda não colocou em prática: reduzir a burocracia na contratação de autônomos e aumentar a fiscalização sobre a tabela de frete, seriam os principais.

Em encontro com grupos de caminhoneiros na última segunda-feira (22), o ministro disse ainda que vai atualizar a tabela do frete com os aumentos do diesel (o que já é previsto) e anunciou um vago compromisso de reduzir “multas desnecessárias”, além de voltar a falar no reforço da fiscalização.

As medidas novas são inócuas para solucionar o problema que o próprio ministro diagnostica como o principal do setor, o excesso de oferta. Além disso, têm baixa relevância para a situação atual, já que podem ser consideradas, no máximo, medidas de médio prazo. Não é factível ver o BNDES liberando recursos em valor considerável de uma linha dessas neste semestre ou ver ponto de parada funcionando neste ano.

As outras medidas de melhoria da burocracia e da fiscalização também podem vir no segundo semestre se o governo acelerar. Ajudam, mas também não resolvem o problema principal. Novamente, o excesso de oferta.

Os grupos presentes se comprometeram a não realizar uma paralisação prevista para ter início na segunda-feira (29).

E o que o governo tem feito para solucionar o excesso de oferta?

Na prática, aumentar a oferta de cargas para serem transportadas é algo sobre o qual o governo tem pouca ingerência (ou deveria ter). Depende do desenvolvimento da economia, que infelizmente neste momento está muito associado ao desempenho do governo devido à grave crise fiscal que o país atravessa há cinco anos, o que gerou uma crise de confiança.

Sinal trocado

Se liberal for, a economia é que deverá ditar a compra e venda de caminhões para que se chegue ao ponto ótimo entre a demanda e a oferta existentes. Mas o sinal enviado foi totalmente ao contrário. Incentiva-se mais oferta de caminhões e intervenção do governo no setor.

No dia do anúncio da semana passada, a Caixa ampliou uma linha de crédito para financiar 100% da compra de caminhões novos (o limite anterior era 80%). Era o incentivo que faltava para que empresas embarcadoras tomassem a decisão de ter frota própria – o que já vem ocorrendo fortemente desde o ano passado, após a introdução da tabela de frete, tema que será tratado mais à frente neste texto (e que foi alertado em artigo deste editor em maio de 2018, disponível neste link).

Pelos dados da Anfavea, a média de caminhões licenciados nos 10 meses após a greve de 2018 é de 7,3 mil veículos/mês. No mesmo período anterior, era de 5 mil/mês. Nos mesmos 10 meses entre 2015/2016, auge da crise econômica, eram 3,8 mil. Os números atuais já estão no caminho do período que produziu a superoferta (2012/2013), quando foram 11,3 mil/mês. E não param de subir.

Em um vídeo que circula na internet sobre uma feira de venda de equipamentos para o setor agrícola, um caminhoneiro vai mostrando as vendas de caminhões que são anunciadas pelas empresas, sempre na casa das dezenas, e uma delas de uma centena de carretas. Certamente não são autônomos comprando novos caminhões para melhorarem sua produtividade e poderem competir no mercado.

Com mais empresas fazendo frota própria, a crise de superoferta de caminhões deverá se agravar e esse é o principal motivo para a redução da renda dos caminhoneiros autônomos, o elo mais fraco da corrente.

Ainda fortalecidos pelo movimento de maio de 2018, eles têm força para repetir a dose do remédio este ano, com mais interferência que resolva um problema que, de fato, não foram eles que criaram. Políticas públicas ineficientes são a causa da desordem.

Apesar do compromisso de segunda-feira (22), ainda é necessário esperar porque as lideranças desses grupos são dispersas e nem sempre o governo fala com quem mobiliza mais. Basta lembrar quantas vezes os ministros do governo Temer anunciaram o fim da greve e ela não acabou.

A história das greves de caminhoneiros mostra que elas só são bem sucedidas quando há aliança entre os interesses de autônomos e os de frotistas e/ou embarcadores. Desta vez, ao que parece, os interesses são opostos, o que pode mudar até o início do movimento.

Tabela de Frete

Em relação à tabela, já é conhecida a informação de que a revisão pela qual ela passou, após estudos que criaram um documento minimamente técnico, vai reduzir a algo entre 10% e 30% o valor dos fretes da atual tabela, a depender da carga/distância.

O aumento do preço do diesel já é contemplado nos estudos que vão servir de referência, o que pode reduzir o impacto da nova fórmula de cálculo. Mas certamente a nova tabela não será do agrado de parte dos autônomos quando for anunciada (os reajustes ocorrem de 6 em 6 meses), em 60 dias.

Se os preços da tabela se mantiverem no patamar atual, haverá mais incentivo para que as empresas passem a ter frota própria. A solução do problema virá via mercado, com maior custo para toda a sociedade que, além de pagar mais pelo frete, terá que lidar com milhares de motoristas autônomos sem trabalho.

 

Fonte: Agência Infra